quinta-feira, 4 de abril de 2013

As anotações de R. Muller - Parte I

Atravessei a rua a passos lentos. Fazia frio naquela noite. Abri a porta do bar, como de costume. Sempre vazio. Caminhei até meu lugar próximo ao balcão. Não lembro de ter trocado mais do que três ou quatro palavras com o barman nesses quatro anos em que moro na pensão do outro lado da rua. Tínhamos uma relação de camaradagem muda. Ele servia a bebida e eu colocava os trocados no balcão. Eram apenas negócios.


Algum tempo depois, o som pesado da porta chamou minha atenção. Estava chovendo lá fora. Um temporal de verão. Havia uma mulher à porta. Tirando o nariz de dentro do copo pude vê-la melhor. Seus cabelos negros como a noite. Pele morena. E pela luz fraca do lugar, vi o seu vestido molhado marcando seu corpo, seios duros e um magnifico traseiro. Deixou cair a beira da porta um guarda-chuva quebrado e xingou quando a porta lhe escapou, se fechando em um baque surdo.

Se dirigiu ao barman. Perguntava coisas como “aqui tem um telefone que eu possa usar?”, “o senhor não sabe falar?”... E o velho homem só balançava a cabeça negativamente. Quem diria que ele era um fanfarão. Por fim ela apenas pediu uma dose de conhaque. Se largou em um banco no outro extremo do balcão e virou o copo de um gole só. Uma mulher de culhões, pensei.

Voltei a atenção aos meu afazeres. Acendi um cigarro e contei outros 2 crivos restantes. Praguejei em silêncio. O pagamento semanal já tinha acabado. Um cavalo errado e a maior parte do dinheiro ficou na mesa de apostas. Que seja, beberia os últimos tostões. Só que por mais que gosta-se da ideia de seguir o roteiro das minhas noites, algo estava diferente, um estranho estava no ninho, uma estranha com um perfume de mulher que impregnava o ambiente. A quanto tempo não sentia o calor de um corpo macio? Já fazia muito tempo. Normal para alguém vivendo a porta da sarjeta.

Eu era só mais um trabalhador da construção civil de semblante apático e barba por fazer. Pensando bem, o que eu tinha a perder?



Renan M. Duarte


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