Gostaria de ter
uma ferida aberta. Seria interessante. Dissipar o medo cutucando-a. A dor
física que me levaria ao grito, à raiva, ao ódio e, consequentemente, ao
rancor.
Assim não haveria espaço-tempo para o medo; essa corrente invisível de
chumbo que me terrifica e empala quando penso em encarar o desconhecido.
Mas o que é exatamente
o medo? Uma simples reação fisiológica interligada à minha autopreservação? Uma
espécie de doença crônica que me liquida aos poucos?
Não é só o famigerado
medo que me rege, a culpa também passeia por outras forças, como a vergonha,
covardia, preguiça, desistência.
Mas todas
estão relacionadas. Ex.: “Tenho medo da vergonha de ter covardia por ser
preguiçoso e me ater à desistência”. Neste momento estou me entorpecendo com
música alta, não me permitindo parar pra analisar se a última frase que escrevi
está mesmo coerente. Caso contrário, terei de desmanchar, criar outra, então é
melhor fazer vista grossa.
Não tenho só
medo de enfrentar as consequências dos meus atos, também tenho medo do que o
acaso pode me reservar ou, melhor dizendo, tenho medo do futuro. Certo dia
minha namorada relatou ter visto várias formigas rodeando meu mijo na beirada da
privada. Cogitou a possibilidade de eu ter diabete. Insistiu para que fôssemos
ao médico e lógico, rejeitei a ideia. Pra que querer saber se meu corpo está
funcionando mal? Pra mim ele está muito bem, é assim que me sinto, e isso é
mais que o suficiente.
A ignorância
me mantém confortável. E quem não gosta de conforto, sombra e água fresca? Confesso
que prefiro dormir numa rede do que num chão de concreto, ao menos quando tenho
a oportunidade de fazer tal escolha. E outra, se descobrir que tenho mesmo
diabete, minha saúde poderia piorar (é assim que funciona com quem descobre o câncer,
não é?). Do que me valeria saber, então? Digo isto a minha namorada, mas ela
não entende. Não é tão medrosa quanto eu.
Tenho um
amigo que vive trepando sem camisinha com qualquer mulamba que encontra por aí.
Vez ou outra vai ao hemocentro doar sangue. Pra mim ele é maluco. A chance de aparecer
soro positivo é grande. Mas isso não lhe traz preocupação nem o impede de fazer
sua “contribuição humanitária”. Já eu, nunca doei sangue. Tenho medo, ora. Como
disse, a ignorância é uma rede onde posso relaxar e viver até os últimos dias
de minha vida. Sacou?
Hum, às
vezes penso que na velhice me tornarei um rabugento insuportável. Isto é, se as
doenças que suspeitosamente habitam em mim não me matarem até lá.
- Paulo Fernandes
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